A vida virou o café
A vida virou o café na mesa da sala, qual a gente escolheu até a madeira e agora você decide se leva ou se deixa.
A vida virou o café, o sofá, os quadros, as manhãs te aninhando e todas as noites que passei esperando, dos catorze aos vinte e três, olhando a janela e pensando se nela caberiam os sonhos, da uma às seis.
A vida escolheu cada louça trincada e xícara decorada, os meus talheres, os seus (que são diferentes), a cafeteira, a toalha cafona, o amor, o carnaval, a paixão ardente; os dois copos caros e todo o resto que imita cristal.
A vida levou lentamente o meu porto seguro. Desestabilizei, você viu! Levou infância, vitalidade, levou fé, serenidade, levou pai, juízo, doçura, segurança, levou confiança, carinho, estabilidade, casa, bercinho, brinquedo, boneca e quase levou minha mãe de vez.
A vida levou minha coerência. Um pouco da capacidade e inocência... Já me levou tanta coisa nessa idade e, em tão pouca convivência, mesmo assim, ainda lhe peço que não me leve você.
[27 de dezembro de 2018].
[Estes versos foram registrados aos meus 26 anos de idade. Estou com 30. Num primeiro rascunho, feito à mão, o título original seria "Versos empilhados para Gabriel", mas conforme o meu coração se organizava e as imagens foram sendo estabelecidas, retirei o nome. Acho que, na ânsia do registro, muito se mostra a respeito da parceria infindável que estabelecemos entre sentimentos profundos e detalhes cotidianos. Hoje, sinto-me distanciada dessa angústia de perda. Vejo com o Gabriel um panorama em que nos encaixamos em mais momentos felizes atuais, do que em situações descritas nos versos. Mas, sem dúvidas, gosto de recordar...
Te amo, Gabriel].