Inferno é terra serena

O inferno é sereno. 
Parece casa. Não amedronta. 
Tem som de tarde abandonada aos arredores da infância, com sol escaldante, caminho largo e sola marcando o caminhar incerto. 
Pássaros rasgando a imensidão baixa e sufocante. 
É solidão precisa a céu aberto.
O inferno é paz nos primeiros instantes. Nos primeiros novecentos e setenta passos... Ou mais. No suor salgado onde escorrem também as boas memórias. 
No trilhar que vai se apagando nesse cenário amarelo, toda a beleza e as boas memórias vão, de certo, ficando pra trás. 
Passam os locais saudosos, sufocados por desgostos e cores quais nunca acenderiam em dias bons. 
Você encara, abandonados, reluzem ao ranger de portas e frestas como no mais distorcido pesadelo. 
Segue o caminho com os pés ardentes e, logo a frente, ouve-se o breve apitar do trem de carga, que era embalo de ninar. 
Hoje, carregado de dores, envolto em distorções metálicas, assemelha-se a gritos de agonia e segue o rumo na tarde quente que não tem fim.
No jardim do velho sobrado, as flores mais belas, em sede, secam na tarde amarela, quentes em negligência sem fim. 
Não há gritos, fogo, movimentação ou medo.
O inferno é assim, sereno, como um mais belo enredo ao desenrolar de nossa infância...
Que culmina no agora. 
E na casa, que outrora era representação da vida. 
O inferno talvez esteja envolto em todos os lugares que passo. Do início à despedida.