Pocinha

Lembro de uma vez que chorei tanto tempo deitada que minha avó chamou minha prima para ver uma pequena poça de lágrima que se formou no canto direito do meu rosto marcado no sofá. Era o meu choro marcado. Minha poça de lágrima. Na vida cotidiana me marcou a poça no móvel a desaguar.
Eu não sei o motivo do choro, mas afoguei numa tarde com plateia. 
Minha prima, criança, brincou de barquinho imaginário na pocinha de minha dor. 
Minha avó, firme navegante, me registrou na memória uma foto cotidiana molhada que eu não lembro o motivo. 
Cada vez que eu afogo deitada eu escuto a voz de minha avó ecoando como canto do mar, falando sobre a pocinha. E se eu choro a ponto de afogar, eu lembro de minha prima criança nadando em memória minha. 
Eu não tenho nem tempo mais de chorar deitada ou de criar poça de lágrimas que vão ficando pela vida. Mas na memória eu deságuo e verto em saudade, em poça de lembrança tardia escorrida.

[11 de abril de 2023].

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