O sobrado assombrado

No sobrado assombrado 
dorme garotinha sem lar,
sonolenta, a vagar 
arrastando mau-olhado.

Nas paredes as injúrias 
dos gritos a ecoar.
E todo o jardim a chorar 
uma chuva de lamúrias.

E as madeiras a ranger 
agarram os pés crescidos,
de sonhos desvanecidos,
que já não podem correr.

Dão estalos, as madrugadas,
nos assombros do sobrado.
E o meu peito, consternado,
abraça as alvoradas.

No sobrado-assombramento
há memórias dolorosas
que, embora assombrosas, 
me enternecem por dentro.

Pudesse eu, madrugada,
dormir ali mais um dia...
Deixava minha alma vazia
também a vagar, consolada. 

[23 de abril de 2023.]