Uma carta perdida no mar
Sei que ninguém vai ler.
Sei que ninguém vai achar.
Minha carta perdida nas ondas, de quando afoguei no mar.
Escrevo na desesperança de um balanço de ninar, nessa embalada dança que me afunda ao desaguar.
Olha o farol!
Sozinha, julguei ser luz inconstante.
Acende e apaga nas ondas do meu barco navegante.
O farol afunda e emerge em meio à tempestade.
Não chegam as minhas cartas. Trepida a luz variante.
Há também a âncora que já tanto me guiou. Neste meu barco pequeno, o tempo já naufragou.
O tempo. O tempo indigesto que não sabe nadar.
Já me disseram antes: cuidado ao aterrar!
Também não vai me ler a âncora velha do mar...
E o barco pequenino todo feito de jornal. Leria as minhas cartas se fossem doces, afinal?
Não há, para o barquinho, correnteza de tristeza.
Não é pra ele a minha carta pautada em profundeza.
E as correntes que passam - mornas, frias, outras quentes. Não lerão as minhas cartas, que não são pra essa gente. Enternecem os mergulhos em gentileza a passar. Aquecem os meus anseios, mas não me podem salvar.
E a carta perdida se esvai, na garrafinha.
Consternada, protegida, com toda a tristeza minha.
Sei que ninguém vai ler.
Sei que ninguém vai achar.
A minha carta perdida de quando afoguei no mar.
[26 de maio de 2023].