Caixinha caleidoscópica
Prenderam-me em uma caixinha caleidoscópica de plástico quando eu tinha sete anos.
Foi numa das visitas ao circo com minha mãe. A gente assistia ao espetáculo onde ainda haviam feras treinadas, incapazes de amedrontar como o tempo, que passava raro. Havia também um domador que não domava as faltas, passando entre os meus risos fáceis de criança que ficaram ali.
Talvez tenha sido no momento do palhaço em que, desavisada, fui completamente dominada por aquela caixinha de imagem dos anos 90.
Na gaveta das fotos fiquei gargalhando presa no acolhimento eternizado de um momento de circo. Aí um dia eu desorganizei a gaveta e me afoguei entre os tantos mares registrados nos papéis Kodak revelados que revelam cada dia mais história.
O passar da vida traz água demais pro olhar. É constante mar de água, que eu chamo de mágoa a secar.
Talvez a caixinha esteja enterrada em alguma praia de infância que mostram as fotos do horizonte sem as cores que gargalham nos tempos das luzes do circo.
Eu perdi a lembrança de plástico e o sonho perfeito montado nela, que um artista me deu. O presente do passado, eu perdi. E perco sempre, porque sou atemporal nas coisas de afeto.
Passei a remontar outros risos na memória, que voa em outros circos coloridos, para não se afogar em tanto pensar. Por fim, é isso: hoje eu vôo constantemente nas imagens guardadas no peito, que é pra não me afogar. As fotos dos olhos ainda brilham em algum caleidoscópio de plástico entre saudades e os adornos da rotina. E sempre hão de brilhar.
[6 de junho de 2023].