Às sextas
O melhor dia para chorar é às sextas.
Nos outros dias da semana o tempo passa apertado.
Dia desses pensei em derramar no metrô, mas tive medo de deslizar no passo e me atrasar ainda mais.
A vida corre e, com muita sorte, a gente chora perto dos setenta.
Se eu chorar agora, durmo menos e passo cansaço amanhã. Na exaustão me desencontro e reencontro. Os olhos ardem de dor, não de choro do peito. É só lágrima do olhar.
Mas tenho medo de pausar a angústia pra chorar de vez e nunca mais parar...
E derreter, devagarinho, na essência que sufoquei.
Eu vou chorar no fim da tarde de sexta, se não houver compromisso, a tempo de dormir cedo para - no sábado - viver bem.
Eu vou chorar com dia marcado para não chorar agora.
Eu vou chorar na tarde de sexta a tempo de me encontrar correndo na rotina do tempo. Coisa prática: passo um aviso, lágrima e corro.
E chorando às sextas, talvez tenha tempo de esquecer motivos. Deságuo um pouco e pronto. Retomo a semana, que vem...
[Uma sexta de abril de 2023.]