Manhã de nunca mais
Em uma bancada laranja como a vontade de viver para sempre a minha avó separava os grãos. Num radinho acelerado como as voltas do tempo saudoso o meu avô ouvia a narração do jogo. De uma banheira quente e terna como colos de uma última vez eu respingava os cabelos. E foi assim, naquela manhã comum, que eu desci as escadas para nunca mais.
Tudo passou depressa como voltas da imaginação. E nunca mais.
Eu brinquei no jardim nas cores fortes dos Manacás. E nunca mais.
Senti o perfume da madeira, doce como a fé que partia. E nunca mais.
Abracei os meus, como se - à toa - a manhã corresse brevemente. E nunca mais.
Não olhei outra vez pros meus cantos. Nem tirei as poeiras dos instantes. Não ajudei minha avó com os grãos, não ouvi resultado do jogo, não brinquei na banheira tão terna, nem apertei os abraços sinceros.
Só fui criança naquela manhã tão quente.
E depois disso, nunca mais...
[16 de julho de 2023.]