Manual de como não afogar
Sonhei com o mar. Do sonho leve de revolta acordei no tombo sereno na beira da praia. O degrau das águas, no canto das placas que conduziam os riscos.
Estranho. O mar talvez seja o único lugar que sempre me deu espaço para confiar em mim. Nos meus instintos e instantes. Mas teve um instante, quando eu era bem nova, em que eu perdi o controle da minha liberdade entre as ondas que conversavam com a minha solidão. Deitada no horizonte do fim da tarde, eu me aninhei no colo da coragem, como sempre fiz quando se tratava da extensão grande do mar. Era praia vazia. Turística, berço das minhas lembranças boas. Litoral norte que é norte também das memórias que quero guardar para a vida. E, já não tão serena quanto eu estava na ocasião, descansei do mundo. E, por um segundo, perdi o rumo da correnteza. Caí numa dessas correntes-sereias que puxam para o fundo e arrastam cada vez mais. Não te entregam mais às areias da costa; nem gentil, nem bruscamente.
Como em todo desespero da minha vida, silenciei. Silenciei e nadei por minutos que não sei dizer. Até chegar um moço com prancha esportiva que me repreendeu e disse para eu me apoiar. Depois ouvi sermão, de que banhistas não deviam passar da linha dos surfistas, coisa que eu já sabia.
Eu afoguei em silêncio muitas vezes.
Desta, cheguei na praia assustada contando: "Afoguei! Mas já resolvi."
Às vezes eu ainda afogo e resolvo. Nem sempre sozinha. Quase nunca. Até no mar aparecem pessoas, conselhos, suportes e coisas a se pensar quando a gente está à deriva.
É bom prestar atenção no fluxo das correntezas. E aprender a não passar das linhas dos surfistas. Enquanto eu sonho com o mar, sigo também os breves manuais da vida, que mostram como não se afogar.
[Agosto de 2023.]