Escadas

Um dia eu ouvi a dor dizer: "Vamos subir pra dormir. Você já é grande para eu te carregar no colo do tempo." E doeu. Em cada degrau, doeu. Nos passos do nunca mais, que só sobem para os instantes que arrastamos entre os cansaços e as esperanças. No quarto, a cama encolhida pedia desculpas por não me caber mais. Eu choraria como menina se houvesse tempo, e colo, e sentido. Ou se as vozes do mundo entendessem os meus sinais. 

Minha avó subia as escadas com aquela meninona de pernas imensas e sono eterno na insistência de sua devoção. Mãos lânguidas de abraçar o mundo pelas madeiras que choram e rezam. Eu derreti em oração nos braços da minha avó até por volta dos meus dez anos de idade, se não me engano. 
A força de uma mulher que ama é benção que sobe degraus para além dos dias guardados nas palavras desconexas de verso riscado em dor. 

A última vez que me carregaram pro quarto eu arrastei o afeto de uma multidão. E carreguei no peito tanta esperança que a história pesou nos braços dela. Assim que é bom dormir para sempre, no peso das circunstâncias do alento da vida. 
Eu durmo até hoje nos colos dos tempos que me levaram nas bençãos da casa antiga. 

Talvez o céu não tenha uma escada, como eu pensei na infância, como desenham os livros que ilustram o meu passar. Mas há eternidade. É nela que subo as escadas - assim - carregada pelo meu sonhar. 

[Agosto de 2023.]