Eu-embarcação

Ah, que navio frágil
navega no grande mar!
Antes, embarcação ágil,
tão plácida a navegar...

Hoje, a haste em riste 
balança ao aportar.
Vazio, o guio triste
na dor desse meu sonhar.

E o meu barco quebrado
insiste em contornar
todo o mar sonhado
que transbordei a chorar.

Nem as águas da vida 
guiam o desvario
de dor que chorei perdida
ao naufragar meu navio.

Pois um dia, na infância,
já fui nobre embarcação.
Hoje sou choro de ânsia
resguardada no porão.

Num mar de lágrimas turvas
que deixei pelo caminho. 
Da minha proa se encurva
à orla, o meu barquinho. 

E hoje no velho porão,
que já se entrega às águas,
só resta a embarcação 
na qual transbordo de mágoas. 

[25 de setembro de 2023.]