Sobre a madrugada

Gostaria de pedir perdão a mim, por ter ficado tantos anos sem ver as estrelas.
Hoje é uma daquelas noites em que o medo impera. Medo do futuro, da fraqueza, do esgotamento, da incapacidade...
É noite. Noites, para mim, têm sido assim: uma guerra constante entre o caos e o sono, em que se luta para que o tempo passe, para que o dia chegue, para que o céu fique claro, para que a vida fique clara.
Mas a de hoje, em especial, seguia sufocante. 
Sufocante no sentido literal. Precisei tomar um ar. 
Fui para a janela aos prantos e com a garganta dolorida.
Primeiro olhei pra rua. Vazia. Tantos andares de queda. Bobagem.
Mais acima estavam os prédios mais altos e a eterna pergunta que volta no auge da insatisfação cotidiana: "Será que lá, dentro daquelas janelas, estão sendo felizes?". Em seguida fiz o que devia ter feito há tempos. Olhei para o céu.
Nesse minuto a menininha que mora em mim reapareceu, com o mesmo jeitinho de quem ama a lua. 
Senti-me envergonhada por não estar honrando frequentemente meu mais doce passatempo de infância: ver estrelas.
Aquelas estrelas sussurravam as coisas boas que cresci ouvindo da janela do quarto de minha avó.
Ela me colocava sentada na beirada da janela toda noite e dizia coisas boas. Histórias, lembranças, coisas sobre a vida...
As vezes que chorei repetindo que não queria viver em um mundo em que ela não estivesse, ela me encorajou. Me disse que as estrelas observavam serenas. E que eu nunca estaria sozinha pois aquela obra de arte seguiria comigo. Cada vez que eu olhasse aqueles pontinhos eu me lembraria do que realmente importa.
Eu pude jurar que os sussurros das estrelas hoje soaram em conjunto no timbre dela, rouco e reconfortante. Cada pontinho de luz emanou um conselho amável nesta noite. 
Por isso peço desculpas à menininha que mora em mim, pela falta de estrelas na alma.
Não quero mais que a noite passe.
O medo passou. A saudade venceu. As estrelas ficaram. 
Eu ainda não sei viver sem ela e sem sua voz rouca.
Não sei se um dia saberei.
Não sei nem ao menos viver.
Mas ainda sei olhar as estrelas...

[9 de novembro de 2016.]

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