Domingo devia ser verbo doce

Domingo devia ser verbo doce. Desses de derramar na boca, transbordar no momento, enfatizar a memória. 
Domingo de adoçar café.
Guardar saudade no peito, dar rumo pros sentimentos, trazer de volta os sentidos, contar causo a toda gente, experimentar o mundo; domingo de ser o que ainda não foi... 
Se eu tivesse contado minha vida, até hoje, pelos domingos que notei, eu saberia falar do tempo ainda menos do que já sei. Cada domingo arrastado deixei num canto de mim guardado como relicário. E depois, com fé distinta, encontrei todas as lembranças jogadas, soltas, como se fossem de hoje ainda. 
O domingo podia ser meu avô ouvindo o jogo no radinho de pilha no fim da tarde. O domingo podia ser minha avó descansando com um livro na beira do sol. O domingo podia ser minha prima com os pés pequenos aprendendo a andar no jardim.
Podia, entre esperanças. Sem interrompimentos. Nem espaços para "poderia's" nas tardes quentes de depois dos trinta. 
Em devaneios, vejo outro domingo chegar ao fim. 
Domingo é recomeço açucarado. Saudade por todos os lados. 
É crença, insistência, enredo. E, pra guardar na memória: não tenho mais medo dos fins de domingo e de toda a angústia sincera que já carreguei ao me perder de mim. Porque, quando fui nada, me encontrei nos tempos dos domingos dessa breve caminhada. Domingo é assim...

[6 de agosto de 2023].