Papelarias
A parte mais bonita da infância foi ver a alegria do meu avô cumprimentando conhecidos pelo centro da cidade. Eu o acompanhava pelo mercado, banco, lojinhas e, numa passada na papelaria, eu ganhava o mundo...
O cheiro de papelaria é diferente. Eu não sei como anda a indústria mas acho um golpe de sorte trabalhar num tipo de comércio que vende cores. Na papelaria o mundo é do jeitinho que deveria ser o resto todo. Em tintas, lápis, cores, borrachas decoradas, folhas de todos os jeitos, espessuras e tamanhos, foi que eu desenhei muitas das coisas que eu hoje sou.
Meu avô não é diferente. Ele sempre amou papelarias e sempre entrou cumprimentando em alegria, como faz em todos os lugares por onde passa. Eu pensava que papelaria era o parque de diversões dos idosos, e me punha a brincar também. Escolhia as coisas sem saber ao certo qual seria a minha próxima construção. Mas saía da loja cercada de itens e sonhos que eu não tenho mais o costume de desenhar. Talvez o tempo nos faça entender como se sonha colorido de novo.
Desde muito novinha eu queria ser velha. Adulta não! Velha, como se o mundo voltasse a ter cor. Na minha lógica, o prêmio por não poder ser criança por toda a eternidade, era ser velho. Porque sendo velho a gente voltava a frequentar papelarias das quais o cotidiano nos privou.
A papelaria ainda é o lugar mais colorido do mundo. E o meu avô sempre amou papelarias. Deve ser por isso que ele sorri demais. Os nomes das coisas também me guiaram os dias bons. Esquadro, compasso, esferográfica, tinteiro, mormaço, clips, tachinha, grafite, grampeador, sulfite, color set, cartolina e, de repente, já se passaram três décadas. Eu espero poder recortar o mundo do jeitinho que tem que ser, para um dia poder ver as cores de tudo outra vez.
[8 de julho de 2024.]