Até pensei...
Algumas memórias dançam no piso frio marrom da cozinha laranja da minha casa de infância. Nelas, minha avó, naquele compasso de força e solidão. Era o quadro mais bonito que minha insegurança gostava de ver. Porque era paradoxalmente melancólico e alegre. Minha avó ouvia essas poesias de Nana Caymmi, esperava o tempo da panela olhando o horizonte e suspirava. Depois olhava pra mim com uns olhos de cotidiano e perguntava coisas do dia. Lembro que ela contava a beleza da vida em música. E me ninava com coisas que - depois descobri - serem poesia popular.
Ela gostava demais daquela do Chico na versão da Nana, "Até pensei". Porque cantava sobre ilusão, eu acho. Isso só achei depois, quando vi as ilusões de perto. E no compasso delas, vi que o tempo arrasta a vida e só sobra mesmo um sabiá, um violão e uma cruel desilusão que aqui ficou. Pra machucar meu coração...
Minha avó também achava que melodia era a resposta ao tempo, que passa cortante. Foi assim que eu aprendi a dançar na saudade das coisas que doem.
Devaneios à parte, hoje a saudade dançou forte e vizinha, como a felicidade que um dia eu já pensei que fosse minha. É um abraço literário que soa como lembrete. De colo do tempo. Que rói com inveja e não esquece. A gente descansa do tempo, embora a saudade o desperte. Ainda assim, eu posso. Ele não vai poder me esquecer...
[1.05.2025]