O dia seguinte

O dia seguinte de um velório é sempre o pior. Porque no momento da extrema dor e do desespero é difícil raciocinar. Eu, pelo menos, viro pura emoção, choro alto, me descontrolo. Mas no dia seguinte a gente tem que enfrentar a vida continuando sem aquela pessoa. É onde a gente se depara com o retorno lento da consciência e com todas as ausências que ali ficaram. É quando a gente vê as coisas da pessoa nos mesmos lugares que ela deixou, sabendo que ela não vai voltar para buscar. 

No luto por minha avó, eu pensei nas coisas das quais ela reclamaria e tentei resolver: um sapato jogado na sala, um copo ainda não lavado... Essas coisas cotidianas que não faziam mais sentido sem ela para observar. 
No luto pelo meu tio, nós encontramos o chinelo que ele estava procurando. Me deu raiva achar aquilo depois que a ausência já havia tomado conta da vida. Eu e o Gabriel guardamos o último maço de cigarros, que ele não terminou. 
No luto por meu avô eu achei o óculos dele, e me deu mal estar não saber o que fazer com aquilo. Quando cheguei do velório me deu desespero não ter para quem ligar para avisar que cheguei bem. 

No dia seguinte a gente vê a vida continuando com muitas lacunas. Um monte de coisas passam a não fazer mais sentido. Os detalhes cotidianos, às vezes, chegam tarde demais. 
Quando o dia seguinte cai num domingo, é ainda pior. Porque os domingos já carregam o peso do silêncio, das faltas e das saudades. E depois do domingo, começa a vida outra vez. Mas, agora, em dor imensa que só o tempo há de curar. 

[9 de novembro de 2025]