O monstro dos oceanos
Quando eu ia à praia, eu andava por horas na orla vazia olhando o mar. O ruído profundo que balançava as ondas parecia ruidar também no meu peito.
Eu fugia pro som do mar pra não ver a dor da minha mãe. O barulho, o silêncio e o descontrole. Eu tinha pavor, como se algo pior que o medo me consumisse. Me lembro, porque esse monstro ainda vem me visitar. E eu sei olhar pro fundo dele sem me afundar. Eu aprendi a encarar monstros desde muito nova, mesmo com a energia consumida.
O monstro pior que angústia se levanta assombroso do fundo do mar. Vem devagar, do horizonte, balançando um silêncio que causa náusea. E se aproxima lento, como se trouxesse as memórias da dor de ausência. Monstro que esvazia o entorno e veste solidão.
Eu vi muita coisa linda pelo caminho, como o amor e o sol, mas nada era capaz de me salvar. Eu vi gente sorrir e ir embora. Mas eu não conseguia acompanhar. Eu sabia que eu não ia sair do lugar porque eu não conseguia arrastar esse peso que estava em mim.
Naquele silêncio de olhar o mar, eu deixava a bicicleta no canto e sentia toda a areia da praia no peito, soterrando os meus pulmões. E não fazia nada. Ficava ali a pensar no quanto veria a paz ao me afogar nas águas e não mais em mim mesma. Ficava inerte. Como se o tempo não existisse.
Depois o corpo cobrava o cansaço, o frio do vento litorâneo, a fome. Eu pegava a bicicleta e pedalava um desespero sufocante com ar rarefeito. Voltava pela ciclovia com os pensamentos pausados, ouvindo o choro das ondas. Seguia lenta, arrastando todo o peso de volta à minha solidão.
Se meus avós soubessem, iam se desesperar. Então eu silenciava sozinha quando voltava para casa. Era como se a dor contaminasse, feito doença. Eu fechava a porta do quarto para ninguém saber que eu havia trazido o monstro do mar. Num quarto planejado eu escondia os mais assombrosos temores. E ia para a escola silenciando as imagens dos afogamentos que vi. Acordava, por dias, cheia de areia no peito.
Se eu pudesse enterrar o monstro eu o faria nas memórias bonitas. Mas, às vezes, ele é grande demais. Maior do que os oceanos. E a gente carrega a exaustão depois das coisas que ouve. Os sons dos dias serenos silenciam o mar. Mas nos silêncios o ruído tenta voltar. Como gritos do mais profundo oceano, como silêncios estranhos, como memórias de pavor de figuras que não eram exatamente como a gente idealizou.
O silêncio das ondas cura os barulhos que a gente carrega no peito. Ora traz os monstros, ora afoga o mar.
[22 de Dezembro de 2025].