Outro luto
Eu falava no telefone com o meu avô todos os dias, com exceção de algumas sextas-feiras em que as ligações se desencontravam, porque ele ia no clube pelo qual ele era apaixonado. Todas as vezes ele atendia dizendo "Maluzinha, meu amor!"... Com uma entonação que nunca vai sair da minha lembrança. Ele também chamavam as pessoas de "tesouro" e "coração".
Ele era dono do coração mais bonito e cuidadoso que eu já conheci. E isso não é amor de neta, é opinião popular. Perdi as contas de quantas pessoas vieram me cumprimentar no velório dele dizendo: "Seu avô foi o melhor chefe que eu já tive.", "Seu avô arranjou emprego para mim e para mais familiares meus"...
No velório eu tava meio atordoada porque é assim que a gente fica quando se despede de um grande amor. Mas eu sempre vou lembrar das tantas presenças que lotaram aquele lugar. Minha tia comentou que, hoje em dia, não é comum ver velórios tão lotados. Mas no caso do meu avô eu tinha certeza de que não seria diferente.
Para além do homem que fez história no esporte, meu avô fez história na minha vida. Me cuidando, acolhendo e adotando com carinho todas as minhas questões. Ele subiu absurdamente o meu critério para as relações.
Quando eu era criança eu tive um período de depressão/pânico. Na época, ninguém identificou o que era isso. Para a geração do meu avô então, o tabu sobre questões emocionais era ainda maior. Mesmo sem entender, meu avô passeava de carro comigo pela cidade no meio da noite, para eu poder respirar no vento forte e chorar na janela, porque eu tinha pavor de pensar em voltar para casa.
Meu avô aguentou coisas demais e, ainda assim, manteve o sorriso e a alegria de viver. Vê-lo existindo era uma escola de como tornar o mundo mais leve e mais bonito.
Ele foi isso: racional para cuidar da gente, mas guiado pelo coração.
Seu coração era tão perfeito, Sr Fausto, que nem mesmo a medicina seria capaz de compreender.
Com a sua partida vai embora também uma parte da minha fé na humanidade, porque é difícil encontrar pessoas boas como você.
Obrigada por tudo, meu "avôhai": avô e pai. Bom reencontro com a vovó e o tio! Até um dia! Vai Corinthians! 🖤
[9 de novembro de 2025]