Exílio
Eu deixei meu país quando me exilei na janela.
Me exilei no cansaço de um apartamento pequeno ao lado da vida que eu antes vivi. Me exilei na mais alta torre de vigia do centro da cidade suja, ao ver toda a gente que morreu de fome e doença na minha amada rua. Dos gritos do centro, o meu olhar atento embaçava até mesmo à lua.
O tempo passava na pátria amada que eu mal vi respirar.
Antes dos dias de morte desenfreada, eu era arte. Agora, em parte, já mal sabia falar.
Eu me exilei longe das janelas, que batiam panelas, pra vida voltar. Pra voltar coerência, justiça, permanência da sanidade à luz e à ciencia que ousaram questionar.
E eu ali, isolada, numa janela abandonada, deixei meu país (e a mim) por alguns longos instantes.
No mesmo lugar, exilada.
No pesadelo de tanta gente, acordei outra vez tão longe e cansada.
[Poema pós-pandêmico. Agosto 2023.]